
O que vi e ouvi sobre a luta das mulheres na política – um relato do CSW 69
Estava sentado no auditório, cercado por mulheres de diferentes idades e trajetórias, quando a senadora Soraya Thronicke sentou em uma cadeira junto com as outras palestrantes. O evento acontecia em um encontro paralelo à CSW 69, a Comissão da ONU sobre a Situação da Mulher, em Nova Iorque. O tema era a paridade feminina na política, e eu, um repórter de 24 anos, era minoria ali – havia 3 homens na plateia.
Nos primeiros minutos de discurso, a senadora trouxe um relato pessoal sobre sua trajetória política. Eleita em 2018 pelo Partido Social Liberal pelo Mato Grosso do Sul, foi apenas depois de assumir seu cargo que percebeu a extensão da desigualdade de poder dentro do Congresso Nacional e do Senado Federal. Disse que, ao entrar nesse espaço dominado por homens, sentiu na pele a exclusão: “Eu não te quero aqui”, era a mensagem silenciosa, transmitida por olhares, gestos e, principalmente, pela distribuição de poder.
Ela relatou como os homens no poder tentam reduzir a atuação das mulheres a pautas consideradas “de mulherzinha”. “Vamos dar a elas a relatoria de projetos sobre plantinhas, bichinhos, educação… Mas é na economia que está o poder, e sem cuidar das contas, não conseguimos cuidar das pessoas”, afirmou. Sua fala me fez perceber algo que nunca havia analisado tão de perto: mesmo quando conquistam espaço, as mulheres não recebem as mesmas oportunidades de decisão.
A realidade política brasileira, segundo a senadora, é um jogo desigual. Ela trouxe um dado alarmante: países como México, Cuba, Nicarágua, Bolívia, Chile e Argentina já alcançaram a paridade no Legislativo, mas no Brasil, as mulheres ainda lutam por 30% das cadeiras até 2030. Essa mudança deveria ter começado em 2022, com um aumento progressivo, mas foi barrada por manobras políticas. Dois senadores, Flávio Bolsonaro e Eduardo Girão, votaram contra a proposta.
A senadora fez uma crítica incisiva: no Brasil, há muitas “mulheres de ocasião” – parlamentares eleitas que não trabalham para ampliar os direitos das mulheres, mas votam conforme interesses pessoais ou partidários. “Temos 15 senadoras, mas apenas metade delas realmente luta pelas pautas femininas”, afirmou.
Outro ponto que me chamou a atenção foi a falta de estrutura para a bancada feminina no Senado. Enquanto todas as lideranças políticas têm salas, cargos e suporte institucional, a bancada das mulheres precisou esperar até dezembro para conquistar algo básico: um espaço de trabalho. “Toda reunião que fazemos, temos que pedir uma sala emprestada”, disse. O contraste entre discurso e realidade ficou evidente: há uma luta para garantir cadeiras femininas no poder, mas as mulheres sequer têm onde sentar.
Perto do fim do discurso, a senadora fez um apelo: “Nós precisamos nos unir. A imprensa precisa nos ouvir. A sociedade civil precisa se mobilizar”. Ela lembrou que sua candidatura à presidência do Senado nunca foi levada a sério pela mídia. Seu nome sequer era mencionado entre os possíveis concorrentes. “A boca que eles tinham mais medo era a minha”, afirmou.
Ao sair do evento, me perguntei quantas vezes já havia ouvido falar da luta das mulheres por mais espaço na política e quantas vezes realmente havia prestado atenção. O que vi e ouvi naquele dia me fez entender que a busca por equidade dos poderes não é apenas uma questão de representação, mas uma batalha diária contra um sistema que resiste a mudanças.
A senadora deixou claro que garantir reformas eleitorais favoráveis às mulheres não é suficiente. “Não adianta colocar na lei se não tivermos mobilização para fazer valer”, disse. E, olhando ao redor da sala, percebi que ali havia muitas mulheres dispostas a lutar.
O que me pergunto agora é: quantos homens também estão dispostos a ouvi-las – e a agir?
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